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Brasileiro teme pelo futuro da economia

Fonte: Valor Econômico (04 de maio de 2021)

Manoel Pires: “Com uma vacinação em massa, uma parte importante do nó atual será desfeita. Para isso, a baixa velocidade de imunização tem de mudar” — Foto: Silvia Costanti/Valor


 
O temor com o impacto da crise pandêmica na economia nacional atingiu um patamar insólito em meados de abril. Na ocasião, oito em cada dez brasileiros (78%) disseram que tais consequências serão “devastadoras” para o país. Isso quer no curto, quer no médio prazos. No fim de março de 2020, quando o novo coronavírus deu seu primeiro grande bote sobre o Brasil, esse grupo reunia 59% da população. As previsões negativas escalaram 19 pontos percentuais em pouco mais de um ano. É isso o que indica uma pesquisa de opinião realizada pelo Instituto Travessia, de São Paulo, com exclusividade para o Valor.
 
Os questionários foram aplicados nos dias 15 e 16 de abril, com abrangência nacional, por meio de entrevistas telefônicas com cerca de mil pessoas. A enquete mostrou ainda o quão veloz foi o agravamento dessa percepção. Em junho de 2020, 69% dos entrevistados usaram o termo “devastador” para avaliar o estrago econômico da covid-19. Em fevereiro, eram 72%. Agora, são 78%. Ou seja, em oito meses (de junho a fevereiro) houve elevação, mas confinada à margem de erro da sondagem (três pontos percentuais para cima ou para baixo). Em contrapartida, em dois meses (de fevereiro a abril), deu-se uma alta de seis pontos.
 
E qual o motivo desse rápido avanço? Na avaliação de Renato Dorgan Filho, analista e sócio do Instituto Travessia, a pesquisa reflete o momento pelo qual o país passou nos últimos meses – e do qual ainda não escapou de maneira definitiva. “As entrevistas foram feitas em meio à acentuada degradação do cenário”, diz Dorgan Filho. “Foi nesse momento que o contágio explodiu e o total de mortes diárias provocado pela doença no Brasil saiu da casa dos 1,5 mil, que já era alto, para atingir picos de até 4,2 mil. Passamos a viver uma situação de colapso.”
 

Fonte: Valor Econômico


 
O diagnóstico “devastador” foi generalizado. Ele se distribuiu de forma equilibrada nos recortes feitos por gênero, idade, religião, renda e região onde vivem os entrevistados. Há, porém, alguns destaques. Os mais jovens, por exemplo, estão entre os mais desalentados. O mesmo pode ser dito em relação aos que ganham mais de cinco salários mínimos por mês, que ocupam as faixas mais bem-remuneradas da sociedade, e os que residem no Sudeste do país.
 
Os traumas, indica a sondagem, têm sido múltiplos. Mais que oito em cada dez brasileiros (82%, exatamente) afirmaram que a renda de suas famílias foi prejudicada na pandemia. Em junho do ano passado, 74% diziam o mesmo. Pouco mais da metade dos entrevistados (56%) teve seu emprego ou de algum parente comprometido nesse período. Essa mesma questão foi feita pelo Instituto Travessia há dois meses, em fevereiro deste ano. Na ocasião, 54% haviam mencionado problemas com o trabalho. Note-se que o percentual, embora tenha aumentado, manteve-se na margem de erro.
 
A enquete questionou ainda qual o problema que mais preocupa a população em 2021. Tal abordagem foi feita a partir da apresentação de uma lista com seis temas pré-definidos. O “desemprego” liderou as respostas com vantagem, concentrando 37% das aflições. A seguir, vieram a “falta de vacinas”, com 20%, e, empatados, a “inflação” e a “segurança”, com 16% cada. No pé da relação, ficaram a “piora no atendimento dos pacientes da covid-19”, com 7%, e “crise política”, com 4%.
 
Entre esses itens, o que sofreu maior desgaste foi o medo da “falta de vacinas”. Ele subiu de 14% para 20%. Aqui, os mais jovens, que estão no fim da fila da imunização, destacaram-se entre os mais preocupados. O problema foi citado por 22% dos entrevistados que se encontram na faixa etária entre 25 e 24 anos. Por outro lado, o mesmo tema foi mencionado por 15% daqueles que têm 60 anos ou mais. A “piora no atendimento da doença” aflige com mais intensidade os mais pobres, com renda de até dois mínimos por mês.
 
Para além de 2021, a “demora na solução da covid” é a principal fonte de inquietações, aglutinando 25% das escolhas. O assunto empatou com a questão do “desemprego”, com 24%. ““Isso mostra que a falta de trabalho é um receio muito presente”, afirma o analista. “Ele emerge tanto agora, em 2021, como no futuro.”
 
As expectativas são ainda de aumento da inflação e da perda de postos de trabalho, além de queda de renda. A maior parte dos entrevistados não acredita que conseguirá poupar (83%), tampouco vê possibilidade (68%) de fazer uma compra de valor mais alto, como a aquisição de eletrodomésticos ou produtos eletrônicos.
 
Apenas uma pequena parcela (9% do total) acredita que a situação econômica do país vai melhorar neste ano. Para 47%, a recuperação só ocorrerá em 2022 e, na opinião de 35%, isso deve “demorar muito”. Desiludidos, 6% dizem que “nunca mais vai melhorar”. Em relação à condição pessoal ou familiar, os números são mais pessimista: para 40%, o alívio só virá em 2022 e, para 42%, vai “demorar muito”. “As pessoas sabem que, antes de a situação pessoal apresentar algum alento, é preciso que a economia engrene”, afirma Dorgan Filho, do Travessia.
 
Entre economistas, há um consenso de que o resultado da enquete está atrelado à pior fase já observada da covid-19 no país. Ela contaminou até indicadores cuja projeção dos técnicos não é tão sombria. “Esse é o caso da inflação”, diz Márcio Holland de Brito, professor da Escola de Economia da São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV -EESP). O indicador subiu. Ele está em 6,2% – e pode chegar a 6,5%. Mas as previsões são de queda. “Ele deve começar a cair entre agosto e setembro”, afirma o professor. “E pode chegar a 3,2% no fim de 2022. A inflação, portanto, deve ser um fator momentâneo de preocupação.”
 
O mesmo não pode ser dito em relação ao emprego. Nesse caso, o cenário é de resiliência pesada dos atuais indicadores. A taxa média de desemprego no Brasil ficou em 14,4% no trimestre encerrado em fevereiro. Isso significa que mais de 14,4 milhões de brasileiros estão procurando trabalho – e não encontram. Trata-se do maior contingente desde 2012, início da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).
 
“Como muitas dessas pessoas são responsáveis pelo sustento das famílias o impacto negativo do problema é muito maior”, acrescenta Brito. “Ele alcança entre 50 milhões e perspectiva que indique uma taxa de desemprego abaixo de dois dígitos até o fim do ano que vem.”
 
O motivo dessa resistência é simples: não é qualquer nível de crescimento da economia que tem forças para levantar os indicadores de emprego. Este ano, o PIB brasileiro deve avançar 3,7%, segundo previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI), uma taxa considerada otimista pelo mercado (nesse caso, as projeções estão em torno de 3%). Ainda assim, esse percentual é resultado do que os técnicos chamam de um “carregamento estatístico”, fruto da comparação de cada trimestre de 2021 com o mesmo período de 2020. Se o contraste fosse feito entre os trimestres deste ano, o resultado seria próximo de zero.
 
Além do mais, destaca Brito, mesmo os estimados 3,7% estão condicionados a uma série de fatores. Eles incluem o pagamento do auxílio emergencial de R$ 44 bilhões entre maio e junho, a estabilidade da covid-19 (sem uma “terceira onda”, por exemplo) e um ritmo parrudo de vacinação no segundo semestre.
 
Mais profundo, outro fator que embaça a visão de um eventual avanço do PIB é a debacle do investimento. O índice de aportes no país (dado pela Formação Bruta de Capital Fixo) caiu de 20,5%, em 2014, o que já era um patamar insuficiente para grandes sonhos, para 16,4%, em dezembro de 2020. “Isso significa que, com essa redução, deixamos de investir R$ 260 bilhões em valores do fim do ano passado”, diz Holland de Brito. “Como essa quantia teria um efeito multiplicador de cerca de 3,5 vezes, isso significa que, na prática, não injetamos R$ 1 trilhão na economia do país. E reverter essa situação é algo que vai exigir muito esforço do país.”
 
Há saídas para essa arapuca, porém. Manoel Pires, pesquisador da área de economia aplicada do FGV Ibre, observa que a crise atual carrega um elemento que a distingue dos demais percalços pelos quais o país passou em outros períodos. “Em alguma medida, podemos dizer que a pandemia tem um prazo para sofrer um revés”, diz o economista. “Com uma vacinação em massa, uma parte importante do nó atual será desfeita. Para isso, a baixa velocidade de imunização tem de mudar. Hoje, cerca de 14% dos brasileiros tomaram pelo menos a primeira dose do imunizante. É pouco.”
 
Pires acrescenta que os governos, notadamente o federal, precisam oferecer algum grau de proteção não só às pessoas, mas ao setor produtivo também. “O problema é que essa agenda de ajuda a empresas só deve estar pronta em meados de maio”, diz. “E essas coisas vão atrasando e, quanto mais tempo demoram para ser resolvidas, mais difícil é consertá-las.”
 
Por outro lado, pondera o pesquisador, existe uma forte retenção de poupança, um fenômeno que é mundial. E ele tende a se traduzir em elevação de consumo em um momento pós-pandêmico (ou com uma eventual estabilização da covid em níveis baixos). “Esses possíveis gastos não serão suficientes para reestabelecer um padrão de crescimento, mas podem servir como um ‘guia’ para a recuperação. Ou seja, podem ajudar. Eles devem se concentrar no setor de serviços, que tem maior participação no PIB e no emprego. E isso é importante.”
 
Resta ainda como pagar a conta de todos os estímulos necessários para alavancar a economia. Nesse caso, as discussões estão repletas de ruídos. Entre os mais estridentes, consta o aumento na tributação do capital. Em termos mais claros, trata-se de elevar os impostos dos ricos, em geral, e das grandes fortunas, em particular. “Esse é um debate que acontece nos Estados Unidos, no Reino Unido, no FMI, em toda parte”, destaca Pires. “A dúvida é se teremos condições políticas para avançar nessa discussão.”
 
Aliás, a política, apontam os técnicos, pode embolar ainda mais esse já complexo novelo de problemas. Nesse caso, as preocupações concentram-se nas eleições presidenciais de 2022. Isso por vários motivos. “Um deles é que elas representam gastos”, cita o pesquisa do Ibre. “E gastos que não têm nada a ver com a pandemia.” Além disso, em um clima de polarização, elas tendem a complicar a articulação de soluções. “É por isso que os atores que compõem o Legislativo, o Judiciário e o setor empresarial precisam pressionar o governo para dar respostas à crise”, diz Gabriela Lotta, professora de administração pública da FGV, em São Paulo.
 
Holland de Brito aponta, contudo, que existe uma brecha por meio da qual o país pode extrair alguma energia para fomentar uma recuperação. Nesse caso, a fonte do alívio jorraria dos cerca de R$ 106 bilhões resultantes do alargamento do teto de gastos, em 2022. Para o economista, esse montante, ou ao menos a maior parte dele, poderia servir de base para a criação de um “microplano Biden”, em uma alusão ao gigante projeto de investimentos anunciado presidente americano, Joe Biden, cujo montante bate nos US$ 2 trilhões.
 
No caso brasileiro, a quantia poderia ser usada na execução de obras públicas, como pavimentação de rodovias e a construção de habitações. “Mas seria necessário organizar o quanto antes um projeto executivo para a execução de trabalhos desse tipo, contando com a análise dos órgãos de controle e eventuais desembaraços de licenciamentos”, diz o acadêmico. “Caso contrário, esse dinheiro vai ser consumido com o custeio da máquina. E isso não vai gerar o menor efeito multiplicador na economia.” Como observam os técnicos, existem alternativas que podem ao menos atenuar os desafios observados pela população para a economia do país – e para as suas vidas. “O grande desafio é como construir uma solução”, diz Manoel Pires. Na prática, esse é o grande entrave a ser superado.