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Gargalos e vigor da indústria global pressionam preços

Fonte: Valor Econômico (25 de março de 2021)

Economias em retomada, lideradas pelos EUA, e uma explosão da demanda por bens de consumo estão ajudando a pressionar cadeias de fornecimento já extenuadas, com uma série de contratempos – como a obstrução do Canal de Suez nesta semana – devendo agravar a escassez e aumentar mais os preços.
 
O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) acredita que a economia dos EUA se recuperará mais rápido que o previsto meses atrás, antecipando que a vacinação contra a covid-19 e trilhões de dólares em estímulos resultarão na expansão econômica mais acelerada em mais de 30 anos.
 
Isso está aumentando a pressão sobre as cadeias de fornecimento globais das quais as multinacionais dependem para fazer de tudo, de bicicletas a móveis.
 
Em uma série de pesquisas realizadas em várias partes do mundo e divulgadas ontem, fabricantes reportaram mais demora na entrega de matérias-primas e outros insumos, aumento dos atrasos na produção e uma grande alta nos preços dos insumos.
 
Nos EUA, há também sinais de que a falta de matérias-primas está pressionando as empresas do setor industrial, com a produção crescendo no ritmo mais lento em cinco meses – em parte por causa da falta de matérias-primas -, enquanto os novos pedidos crescem no ritmo mais forte em sete anos.
 
A empresa de dados IHS Markit disse que executivos americanos reportaram as maiores interrupções no fornecimento desde que iniciou essa pesquisa nacional em 2007. A Markit também disse que as empresas “no geral reportaram menor crescimento da produção por falta de matérias-primas para atender os novos pedidos”.
 
Há alguns sinais de que esse déficit está afetando modestamente o crescimento, especialmente nos EUA. Portos congestionados e a nevasca que atingiu o Texas no mês passado agravaram o que já era um problema global antes mesmo de o pacote de alívio de US$ 1,9 trilhão do governo Joe Biden ter estimulado ainda mais a demanda.
 
Economistas e banqueiros centrais afirmam que a escassez deverá ter vida curta, com os fabricantes de semicondutores e outras peças que ficaram relativamente escassas aumentando suas capacidades de produção. A reabertura do setor de hospitalidade e outros serviços, na medida em que a vacinação avança, deverá mudar o foco do consumo dos investidores para além dos produtos que apresentam alta demanda no momento, como laptops e outros dispositivos eletrônicos domésticos.
 
“Haverá um crescimento um pouco mais lento e uma modesta pressão de alta sobre os preços”, disse o presidente do Fed, Jerome Powell, em depoimento ao Congresso americano ontem. “Mas isso deverá ser temporário. Vocês sabem, por definição um gargalo é uma coisa temporária, assim como os ajustes no lado da oferta.”
 
A recuperação da indústria global do colapso motivado pela pandemia começou em maio, e a produção retornou aos níveis pré-lockdown em dezembro. Essa recuperação foi muito mais rápida que a verificada depois da crise financeira global depois da crise financeira global (2008-09), e a velocidade da recuperação parece ter pego muitos fabricantes e seus fornecedores desprevenidos.
 
A falta de matérias-primas tem sido mais grave no setor automobilístico, onde os fabricantes foram forçados a cortar a produção em resposta a uma falta de semicondutores. Mas as dificuldades para se conseguir matérias-primas e outros insumos foram recentemente agravadas por uma série de grandes contratempos.
 
O mais recente deles foi a obstrução do Canal de Suez, na terça-feira, por um navio de carga que encalhou atravessado no canal. Isso aconteceu depois de um incêndio, na sexta-feira, em uma fábrica de um dos maiores fabricantes de chips do mundo em Hitachinaka, a nordeste de Tóquio.
 
A nevasca que atingiu o Texas em fevereiro provocou extensos blecautes, que fecharam fábricas que fazem parte do maior complexo petroquímico do mundo, muitas das quais ainda inoperantes.
 
Os revendedores de automóveis nos EUA já estão ficando sem caminhões e carros, com a escassez de peças afetando a produção. Resultado, os compradores estão pagando mais, esperando mais e tendo menos modelos para escolher. Enquanto isso, os gastos do consumidor americano com bens cresceram quase 10% em janeiro, em comparação ao mesmo período do ano passado, segundo o Departamento do Comércio. O aumento da demanda está provocando atrasos nos portos americanos, de navios com dezenas de milhares de contêineres e longos atrasos no descarregamento de mercadorias.
 
“Os fabricantes estão tendo mais dificuldades para acompanhar a demanda, graças principalmente aos problemas e atrasos na cadeia de fornecimento”, disse Chris Williamson, economista-chefe da IHS Markit. “Os preços subiram, com a alta dos preços dos insumos e a inflação ao consumidor bem acima do que qualquer coisa já vista na história da pesquisa.”
 
Na Alemanha, uma das potências industriais do planeta, a pesquisa dos gerentes de compras registrou o maior aumento da produção desde o início da série em 1996. Isso é uma boa notícia para a economia europeia, que continua paralisada pelo aumento do número de casos de covid-19 e uma lenta campanha de vacinação.
 
Nos últimos seis meses a economia da Europa moveu-se em duas velocidades. Enquanto o setor industrial cresceu num ritmo acelerado, a atividade do de serviços, que é maior, declinou. No geral, nos cinco meses anteriores o resultado foi uma contração da produção que provavelmente lançou a zona do euro numa recessão nos últimos três meses do ano passado e nos três primeiros deste ano.
 
Mas para surpresa da maioria dos economistas, isso mudou em março, com o setor industrial mostrando-se forte a ponto de compensar o declínio do setor de serviços, preparando o caminho para um crescimento geral.
 
Esse retorno do crescimento poderá não ser sustentado, uma vez que França e Alemanha impuseram novas restrições aos consumidores e empresas nas últimas semanas, e há poucos sinais de uma aceleração iminente da vacinação.
 
Para a maior parte do resto da economia mundial, a recuperação está menos desequilibrada. Mas na maioria dos países, o setor industrial vem se recuperando com mais força do que o setor de serviços, refletindo o fato de que a maior parte dos produtos podem ser consumidos com riscos relativamente baixos de contágio, enquanto uma série de serviços liderados pelos setores de hospitalidade e entretenimento continuam sendo vistas como atividades de alto risco.
 
Na Austrália, fabricantes informaram o maior alta nos preços de importados da história da pesquisa, atribuída a gargalos nas cadeias de fornecimento.
 
Na zona do euro, os gerentes de fábricas informaram o maior aumento nos preços dos insumos em uma década, além dos maiores períodos de espera por insumos nos 23 anos de história da pesquisa. Em especial, companhias industriais da Alemanha destacaram o aumento do tempo de espera por insumos vindos da Ásia.
 
Nos EUA e Europa, os fabricantes vêm respondendo ao aumento da demanda recrutando mais trabalhadores, o que deverá ajudar na recuperação do setor de serviços quando essas empresas puderem reabrir totalmente. Mas a alta dos custos das matérias-primas aponta para preços maiores para o consumidor nos próximos meses, um problema que os banqueiros centrais veem como de vida curta, pelo menos por enquanto.