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Especialistas entendem que, sem nexo causal, covid-19 não é doença do trabalho

Fonte: FIESP (02 de outubro de 2020)

O médico José Miranda enfatizou as ações de saúde ocupacional e prevenção adotadas na entidade


 
Tema amplamente discutido desde o início da pandemia causada pelo novo Coronavírus, a questão sobre a Covid-19 ser ou não considerada doença do trabalho, reuniu especialistas das áreas do Direito e da Saúde em videoconferência do Conselho Superior de Relações do Trabalho (Cort) da Fiesp.
 
A presidente do Cort, Maria Cristina Mattioli, dirigiu os debates na manhã desta quarta-feira (30/9), precedidos por breve introdução da diretora-executiva jurídica da Fiesp, Luciana Freire.
 
De acordo com Freire, é fundamental entender o impacto na vida do trabalhador e do empresário brasileiro a partir da definição da Covid-19 como doença ocupacional ou não: “Hoje vamos aprofundar esse tema e já adianto que, em nosso entendimento, não há como caracterizar como doença do trabalho, salvo se comprovado claramente o nexo causal”.
 
A diretora também ressaltou as ações das entidades ligadas à indústria paulista para enfrentar a pandemia, especialmente o Plano de Retomada, divulgado já em abril, pois esse documento trouxe diretrizes para que as indústrias soubessem por onde começar e a cuidar bem do seu colaborador.
 
Freire também destacou outras iniciativas da Fiesp, Ciesp, Sesi-SP e Senai-SP, tais como a produção de máscaras, álcool em gel, conserto de respiradores mecânicos, capacitação das montadoras para realizar esses reparos, campanha do agasalho, distribuição de refeições gratuitas para comunidades carentes e a criação de site para auxiliar as indústrias com perguntas e respostas sobre o novo Coronavírus.
 
O médico do trabalho do Sesi-SP, José Miranda, por sua vez, destacou as ações de saúde ocupacional da entidade. Ao comentar o programa oferecido aos próprios funcionários e à indústria, o especialista esclareceu que primeiramente é necessário prevenir a doença e depois rastreá-la na população. “A partir desse momento é necessário ter um programa de testagem eficaz, porque a partir do momento em que se chega a um resultado positivo já é iniciado o acompanhamento”, orientou o médico. No caso de testes positivos, as medidas incluem o isolamento do paciente e das pessoas com as quais poderia ter tido contato.
 
“A próxima etapa é a de eleger os funcionários que possivelmente deverão fazer a reabilitação, pois essa doença deixa sequelas, em alguns casos”, segundo alertou. O médico ressaltou que o trabalho é realizado por equipe multidisciplinar formada por enfermeiros, médicos e psicólogos, os quais fazem o acompanhamento durante todo o período de evolução da doença.
 
Face à baixa tolerância ao risco, a saúde ocupacional não somente é eficaz durante e após o tratamento da doença, como também é essencial na sua prevenção. “Todos entramos aqui no prédio da Fiesp utilizando máscaras. Mas eu não consigo garantir que as pessoas andem de máscara lá fora”, inferiu.
 
Sobre o tema central, citou as cenas de superlotação das praias e perguntou: “Como garantir onde houve o contágio? Somente será possível eliminar casos de Covid-19 no ambiente de trabalho, quando o mesmo ocorrer no ambiente comunitário, o que depende de ações públicas. Diante desse quadro, não é possível determinar a causa, a não ser nos casos previstos em lei”.
 
Os aspectos epidemiológicos da Covid-19 foram apresentados pelo médico Carlos Starling, que acredita não estarmos diante de um problema insolúvel. “Outras doenças infecciosas acometeram a Humanidade ao longo dos séculos. Não estamos diante do juízo final. Já passamos por epidemias anteriores e aprendemos com cada uma delas. O legado desta pandemia com certeza é a higienização das mãos, que agora não é apenas uma prática dos profissionais da saúde, mas de toda a Humanidade”, comemorou, enfatizando que esse ato, tão simples e tão fundamental, pode controlar o contágio por Coronavírus e várias outras infecções que acometem as pessoas no dia a dia.
 
Starling lembrou que não é tão simples desenvolver uma vacina para um vírus como esse e que a atitude das pessoas, bem como a maneira como lidamos com a epidemia, poderá revelar diferentes cenários. “Independentemente de qualquer coisa, se não tivermos logo uma vacina eficaz, vamos ter de conviver por mais tempo com as incertezas” apontou.
 
Segundo o infectologista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a flexibilização das atividades ocasionou o aumento do número de casos, depois de terem entrado em estabilidade, o que ocasionou novos fechamentos e novas restrições. “A taxa de contágio vem caindo progressivamente em alguns lugares, mas com variação muito grande de uma região para outra do país”, observou Starling.
 

A médica da Superintendência Regional do Trabalho, Renata Matsmoto, ressaltou os cuidados que as empresas devem adotar no ambiente de trabalho


 
Quando a Covid-19 será considerada doença do trabalho, então?
Para apresentar o trabalho de atuação da auditoria fiscal no Estado de São Paulo, o Cort convidou a médica da Superintendência Regional do Trabalho, Renata Matsmoto. De abril a agosto deste ano, segundo ela, foram realizadas mais de 17 mil fiscalizações com o intuito de corrigir falhas e garantir a efetiva adoção de medidas preventivas. “Diante dos riscos, é necessário proteger o trabalhador para que ele não se exponha, o que pode ser feito por meio da implementação ou garantia do trabalho remoto ou trabalho não presencial”, defendeu.
 
Mais do que isso, entretanto, medidas físicas como a instalação de barreiras, bom sistema de ventilação e a redução da circulação de pessoas são fundamentais para oferecer segurança. “E também é importante adotar medidas administrativas, como a comunicação dos riscos aos colaboradores, além das medidas de prevenção necessárias, os protocolos e procedimentos”, disse. Ela afirmou que “condições inadequadas de trabalho e trabalhos precarizados levam à diminuição da eficácia de adesão dos trabalhadores às medidas de prevenção. “Não basta dizer que você fornece as medidas de proteção; é necessário dar a devida atenção ao assunto”, ponderou Renata.
 
Para ela, quando as medidas de segurança não são implantadas e existe nexo entre a forma como o trabalho é executado e o adoecimento, a doença pode sim ser considerada. “Não estamos dizendo que todos os casos são ocupacionais, mas assim será se a empresa não conseguir comprovar que medidas de prevenção foram adequadamente adotadas”, advertiu.
 

Para Claudia Vianna, “tudo tem de convergir para a lei e para o que está disposto hoje”


 
Já a coordenadora da pós-graduação em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário da Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná, Claudia Vianna, afirmou que a lei é o porto seguro para a sociedade, sendo sempre o ponto de partida: “Tudo tem de convergir para a lei e para o que está disposto hoje”.
 
Em seu entendimento, houve confusão devido à má interpretação do artigo 29, que era melhor para os trabalhadores. “Sempre tivemos a Lei 8.213, que conceitua o que é e o que não é acidente de trabalho. O trabalho precisa ser a causa para ser considerado doença ocupacional, não o local do adoecimento. Doença profissional é aquela obtida pelo exercício do trabalho, não no local do trabalho”, explicou citando o artigo 20.
 
Vianna também lembrou que as doenças causadas por vírus estão relacionadas a hospitais e outros estabelecimentos de saúde, como clínicas e laboratórios. Nessa situação, em que as pessoas trabalham diretamente expostas, existe um fator de causa. “Um advogado não fica doente por manipular processos, mas em uma pandemia o vírus pode estar presente em qualquer lugar. Ainda assim, precisa ser apontado e comprovado o vínculo e o nexo”, explicou.
 
O médico do trabalho e doutor em Saúde Pública, João Silvestre da Silva Junior, afirmou que o nexo causal existe em qualquer atividade: “Dentro da Previdência, para que se estabeleça o direito aos benefícios, é necessário estabelecer o nexo. Se um prédio cai, também existe o nexo para essa ocorrência. Da mesma forma, quando uma pessoa se contamina por um vírus, se faz necessário determinar a causa”.
 

O médico do trabalho, João Silvestre da Silva Junior, reforçou que o nexo causal existe em qualquer atividade, mas é necessário estabelecê-lo. Fotos: Karin Kahn/Fiesp


 
Por fim, o ex-ministro do Trabalho Almir Pazzianotto, citou o artigo 157 da CLT, que diz caber às empresas cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina no trabalho, bem como instruir os empregados por meio de ordem de serviço. O artigo também orienta sobre as precauções que devem ser adotadas para evitar acidentes ou doenças. “E cabe aos empregados observar as normas de segurança. Isso é sabido há muito tempo. Não é assunto inédito”, concluiu.
 
Na próxima reunião do Cort, o tema a ser discutido será o teletrabalho.