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Em busca de eficiência, empresas ampliam rodízio de cargos 

Fonte: Valor Econômico (04 de agosto de 2020)


 
Diante de um novo cenário de negócios trazido pela pandemia, as empresas estão realocando equipes, mudando lideranças de setor e entregando missões mais amplas para o quadro. Pesquisa realizada em julho pela consultoria de recursos humanos Mercer com 134 companhias brasileiras de 16 segmentos, a maioria bancos (16%) e serviços não financeiros (12%), indica que o job rotation (rodízio de cargos) já é o terceiro recurso mais adotado entre as chefias, em resposta à crise do coronavírus, com 26% de participação entre as corporações ouvidas. Com maior peso, antes dele, estão apenas os processos virtuais de gerenciamento de pessoas (90%) e o e-learning (76%), ações quase obrigatórias nos últimos quatros meses de quarentena. O desafio agora é como fazer a gestão inteligente da força de trabalho.
 
Na opinião de Antônio Salvador, líder de negócios de carreira na Mercer Brasil, a realocação dos times está sendo mais lembrada agora porque, em um momento de recuperação, é normal as diretorias olharem com atenção para a rentabilidade e o caixa das operações. Mas não basta apenas mudar os funcionários de lugar ao rever as planilhas de custo. “É um movimento que requer análise e planejamento”, diz. Deve ser avaliado do ponto de vista motivacional e levar em conta as habilidades do funcionário para que a troca não se transforme em mais um problema para as lideranças.
 
Será muito difícil obter algum sucesso levando um executivo que fazia trabalhos burocráticos para um departamento de vendas, diz Salvador. “O Michael Jordan, melhor jogador de basquete do mundo, foi um fracasso quando tentou o beisebol”, compara.
 
No Hospital Albert Einstein, com 15 mil funcionários, a crise sanitária obrigou a instituição a montar uma força-tarefa para substituir e contratar talentos rapidamente, nas áreas administrativa e de assistência médica. Logo no início da pandemia, lembra a diretora executiva de recursos humanos Miriam do Carmo Branco da Cunha, foi preciso admitir pessoal para ampliar atendimentos e agrupar os profissionais da linha de frente, que estavam nos grupos de risco, em outras posições. “Em seguida, além de transferir o maior número de colaboradores para o home office, tivemos de mexer em quem estava em setores de baixa demanda”, diz.
 
Foram feitas 1.088 contratações por tempo determinado, entre médicos, enfermeiros e auxiliares, por meio de processo de seleção 100% virtual, desenhado em 48 horas, que ajudou a realizar as admissões em 14 dias. Do total, 369 profissionais foram despachados para hospitais municipais, de campanha e uma UPA. O restante ficou na unidade do Einstein, no bairro do Morumbi. Ao todo, o hospital recebeu 248 mil candidaturas.
 
A análise dos currículos contou com a ajuda de 46 voluntários da instituição e de 66 profissionais de RH “pro bono”, inclusive da Alemanha, Canadá e Estados Unidos. O grupo conduziu as entrevistas por videoconferência, a partir da aprovação de avaliações técnicas online. Foram quase 12 mil provas, com mais de sete mil aprovados. “Precisávamos não só de bons currículos, mas de perfis adequados para lidar com pacientes graves.”
 
Além das admissões, outros mil colaboradores mudaram de posto por conta da queda na quantidade de procedimentos eletivos e ambulatoriais, observada a partir de abril. Desse total, 760 foram para unidades públicas de saúde, geridas pelo Einstein. Dentro dos grupos de risco, 200 funcionários do atendimento médico assumiram atividades de telemedicina e de acompanhamento à distância de colegas que contraíram a covid-19.
 
Nas áreas administrativa e operacional, pelo menos dois mil profissionais foram afetados. Houve transferências para ajudar na organização e distribuição das doações recebidas, enquanto metade do setor de call center, com cerca de 200 posições, foi para home office. A adaptação ocorreu em três dias. </p>
 
O trabalho remoto ganhou força na instituição e deve ser mantido, com “alguns dias” de expediente presencial, a partir de setembro, adianta Miriam. Hoje, cerca de dois mil colaboradores cumprem jornada em casa. O modelo, que já existia antes da pandemia, valia para cerca de 350 funcionários, com um dia de home office na semana.
 
“As realocações mobilizam as equipes para setores com maior demanda e otimizam custos”, avalia a diretora do Einstein. “Para os profissionais, é uma chance de atuar em áreas diferentes, conhecer novos processos e ampliar capacidades.”
 
Na Quest Software, multinacional de tecnologia com três mil funcionários no mundo (a empresa não divulga o tamanho do quadro por regiões), a operação latino-americana costura mudanças desde o topo do organograma até a equipe comercial. “As responsabilidades dos executivos foram alteradas e eliminamos cargos de vendas por unidades de negócio”, diz Marco Fontenelle, general manager para a América Latina.
 
Com a intenção de estreitar o contato com os clientes, o então diretor de vendas para a área de soluções de segurança na região, Thiago Lopes, assume na primeira quinzena de agosto a cadeira de country manager, responsável pelas entregas no Brasil. Com a canetada, todo o time comercial, que trabalhava por segmentos, como business intelligence ou computação em nuvem, passa a acompanhar os contratos de forma geral, independentemente do tipo de solução, divididos por zonas, como Brasil ou México. Além de Fontenelle, o board de líderes na América Latina é formado por sete diretores.
 
Fontenelle diz que o planejamento e execução do novo desenho levaram três meses. A alteração será definitiva. Para tirar a ideia do papel, pesquisou as trilhas desejadas de atuação dos executivos e montou uma bateria de treinamentos com foco em produtos e soft skills, como técnicas de escrita e uso de redes sociais. Foram organizados cursos online de vendas, ao vivo, com 20 horas de conteúdo, em sessões diárias de duas horas. “Teremos uma equipe mais focada no cliente, conhecedora das especificidades locais e das demandas que surgirão com a crise.”
 
A meta da Quest Software é triplicar o tamanho da operação na América Latina em cinco anos, chegando a um faturamento de US$ 50 milhões. No último ano fiscal que foi encerrado em janeiro, o crescimento registrado na região foi de 54%.
 
A Via Varejo, dona das redes Casas Bahia e Ponto Frio, já alterou a rotina de 500 funcionários durante a pandemia. Passou a usar os times administrativos, comercial e financeiro de lojas que desceram as portas temporariamente para dar suporte à escalada do atendimento via chat.
 
Até a metade de março, com equipes de atendimento própria e de parceiros, o volume de chamadas diárias chegou a 25 mil contatos. Com o recrudescimento da pandemia, foi a picos de 40 mil interações, impulsionadas pelo cancelamento do sistema “clique e retire” e para oferecer informações sobre como pagar carnês de compras. Os funcionários foram treinados pela universidade corporativa do grupo, com orientações sobre o uso das plataformas de contato.
 
Rosi Purceti Balabram, diretora de pessoas e performance da Via Varejo, destaca que a medida oferece aos funcionários o benefício de conhecer melhor o consumidor das lojas, quesito importante para qualquer função no comércio. “Aumentamos a capacidade de entender as necessidades do público”, diz.
 
Empresas baseadas no e-commerce, um dos setores menos afetados pelos últimos quatro meses de distanciamento social, também redistribuíram talentos para suprir demandas. A Giuliana Flores, de entrega de flores e arranjos, com 170 funcionários, conduziu pelo menos 70 colaboradores de pontos que foram fechados por conta do distanciamento social para operações ligadas a vendas. A maioria seguiu para televendas (25 pessoas), além do SAC, rastreamento e logística, produção e almoxarifado — cada uma com 15 novos integrantes.
 
“O salto nas entregas justificou as realocações, principalmente por causa de datas comemorativas como o dia das mães e dos namorados”, explica Clóvis Souza, o fundador da empresa, com clientes em cinco mil cidades. Para não atrasar as entregas, foram suspensas as ofertas de arranjos difíceis de serem finalizados.
 
No auge da pandemia, o número de encomendas cresceu 100% em abril (70 mil pedidos), 200% em maio (93 mil) e 200% em junho (73 mil), em comparação a 2019. Como todos os realocados eram vendedores, a maioria cumpriu apenas um treinamento no sistema de atendimento telefônico, ação que ocorreu em uma tarde, diz.
 
Para quem planeja futuras permutas, a dica de Souza é estudar os departamentos que receberão os transferidos e entender a forma de trabalho de cada um. “Muitos podem ter sinergia com as novas funções e ter uma grata surpresa em relação a resultados”.