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Mochileiros corporativos ainda vão sentir falta do jet lag

Fonte: Valor Econômico (14 de julho de 2020)

Nesse momento, me lembrei de um executivo que deve estar radiante com a diminuição das viagens de negócios. Certa vez, ele me disse que sua vida nos últimos anos havia passado rápido demais. Isso porque nunca conseguia manter os pés no chão por muito tempo. Estava exausto de tanto viajar a trabalho. Eram pelo menos três de cada quatro semanas do mês três de cada quatro semanas do mês longe de casa.
 
A mala vivia pronta, era só enfiar uma coisa ou outra, dependendo se a viagem era para o frio ou para o calor. Aos 41 anos, ele sabia que ainda teria muito tempo de voo pela frente se quisesse continuar em uma consultoria internacional. Fazia parte do seu sucesso encarar aquilo sem reclamar. Era preciso estar sempre pronto para embarcar, não importava se estivesse com dor de cabeça, de dente ou gripe. outros tempos.
 
Uma executiva que também tinha uma agenda de viagens cheia deve estar lamentando justamente o contrário. Isso porque ela dizia que o jet lag ou o trabalho pesado nos escritórios dos clientes parecia um oásis na comparação com a gestão de uma família com três filhos, de idades distintas. Ela usava o tempo no avião para colocar os relatórios da empresa em dia e para descansar. Um momento solitário que, segundo ela, valia ouro. As distrações da viagem compensavam, inclusive, o estresse e o fato de trabalhar sempre mais longe do escritório.
 
Como ela, para um CEO, de 39 anos, de uma rede de hotelaria de luxo, que passava a maior parte do tempo viajando de um canto para outro do planeta, o voo era o seu momento sagrado. Sua regra: tudo desligado. Ele me disse que até aprendeu a dormir com barulho, turbulência ou com alguém roncando do seu lado. No máximo, usava o tempo no avião para ler livros de ficção. Sua agenda de viagens, dada à natureza do negócio, deve continuar cheia pós-pandemia, diferente da maior parte dos executivos.
 
Em pesquisa da The Economist Intelligence Unit, gestores latino-americanos afirmam que vão limitar as viagens de trabalho dos funcionários. No Brasil, pesquisa da BTA, com 532 executivos brasileiros, indica o mesmo. No mundo todo, a tendência se confirma. A nova ordem será resolver o que for possível por videoconferência. As empresas vão ser mais seletivas na hora de escolher o que precisa ser presencial e quem pode se dar ao luxo de viajar. A intenção é economizar no orçamento, uma vez que todos aprenderam a se virar virtualmente na quarentena.
 
Mas será que os relacionamentos com fornecedores, clientes, sócios e colegas de outros países serão prejudicados por esse distanciamento presencial? Essa é uma daquelas perguntas que ninguém se arrisca a responder. Vamos ter que passar por esse momento para saber. Um CEO mais maduro me disse que viajando menos vai conseguir ser mais produtivo. Menos tempo perdido em aviões e traslados. A mudança de ares, no entanto, ele reconhece que funcionava como um respiro na agenda lotada.
 
No novo mundo, as aeronaves vão criar espaços de segurança entre as pessoas. As viagens serão mais agradáveis. Chega daquele papo chato com o desconhecido que não para de falar quando você quer ver um filme ou ler ou de se apertar todo para comer. Me refiro aqui aos que não viajam na primeira classe ou na executiva. Um hábito que vinha sendo questionado nas organizações e que agora parece mesmo coisa do passado. O adeus à cadeira que vira cama e aos canapés com champagne, certamente será o novo normal em boa parte das organizações.
 
O fato de não poder conhecer por meio do trabalho pessoas de outros países, porém, deixa uma certa melancolia no ar. Quantos amigos se cultiva em viagens ao redor do mundo trabalhando. Relacionamentos relevantes muitas vezes acontecem em jantares e passeios fora do expediente. Quantos negócios e oportunidades de emprego surgiram assim. Fora do seu país, tudo é novidade e o anfitrião local se esmera para mostrar a melhor comida, o melhor vinho, o jardim mais lindo e o museu mais completo. Definitivamente, acho que embora possamos ganhar em produtividade sem ter que viajar, alguns velhos hábitos dos mochileiros corporativos vão deixar saudade.