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Crise amplia fatia da Ásia na exportação brasileira

Fonte: Valor Econômico (15 de abril de 2020)

Tereza Cristina: “desanimada” e “cansada” em receber a missão de colocar “panos quentes” na tensão criada com Pequim — Foto: José Cruz/Agência Brasil


A crise global provocada pelo avanço do coronavírus já tem repercussões nas contas externas e deve acelerar a quebra de um paradigma na balança comercial, segundo a avaliação de integrantes da equipe econômica. Dependendo da amplitude e da duração que tiver a pandemia, a Ásia poderá romper uma barreira simbólica e transformar-se em destino de metade das exportações brasileiras ainda em 2020.
 
Até o fim de março, no acumulado deste ano, os mercados asiáticos como um todo já representavam 44,5% das vendas do Brasil ao exterior. Devem fechar o mês de abril acima de 45%. E, por causa do perfil exportador, a tendência é de aumento da participação.
 
“Numa crise como essa, as pessoas compram menos chapéu de feltro, bolas de tênis, tesouras de jardinagem e bombas de motor para piscina”, afirma um auxiliar do ministro Paulo Guedes. “Mas elas continuam comprando alimentos, proteínas, itens básicos.”
 
Soja, petróleo, minério de ferro, carne bovina, carne de frango e suína são os principais produtos exportados à China pelo Brasil. Mesmo tendo sido o primeiro país atingido pela emergência sanitária, com isolamento de grandes cidades, o gigante asiático comprou quase 5% a mais de produtos brasileiros no primeiro trimestre.
 
Só que agora os chineses estão em recuperação. Outros mercados do continente também já vinham despontando no período janeiro-março – Cingapura (256%), Coreia do Sul (19%), Malásia (15%) – e têm a vantagem relativa de estarem controlando melhor o avanço da pandemia, ou seja, podem abocanhar uma fatia maior das exportações brasileiras ao longo dos próximos meses.
 
Já outros mercados importantes para o Brasil, na comparação anual, sofreram um tombo no acumulado do primeiro trimestre: América do Norte (-15%), América do Sul (-13%), Oriente Médio (-27%). As exportações para a União Europeia e para a África apresentam certa estabilidade.
 
Por vários motivos, a equipe econômica acha “de alguma probabilidade” que se tenha um superávit comercial acima do imaginado em 2020. O Ministério da Economia ainda não havia divulgado previsões oficiais e faria uma estimativa agora em abril, mas o prognóstico foi postergado para maio, devido às incertezas. O Banco Central, no mais recente relatório trimestral de inflação (março), projeta um saldo de US$ 33,5 bilhões.
 
Com o câmbio mais alto, menos compras de bens de capital e bens intermediários pela indústria brasileira, o governo acredita que as importações devem cair mais neste do que as exportações. E estende sua avaliação para a balança de serviços: serão menos gastos com turismo no exterior, menos viagens internacionais com companhias aéreas estrangeiras, menos despesas no cartão de crédito fora do país.
 
O Brasil, em matéria de comércio exterior, até que não se sai tão mal pelo fato de estar menos integrado às cadeias globais de produção. O que era um ponto negativo, no meio da crise, virou algo mais ou menos vantajoso.
 
Por causa da crescente importância da China para as exportações, o Ministério da Agricultura acendeu o sinal amarelo com as últimas ofensas desferidas contra Pequim pelo ministro Abraham Weintraub (Educação) e pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Weintraub chegou a dizer que uma nova epidemia vinda da China tem “alta probabilidade” de ocorrer porque os chineses comem “tudo o que o sol ilumina”.
 
A ministra Tereza Cristina precisou atuar diretamente para evitar retaliações. Para piorar, ela teve que abolir, por hora, o que seria sua terceira viagem a Pequim para reiterar ampliações ou aberturas de mercado para o agronegócio do Brasil, devido às restrições de voos e incertezas sobre a duração dos impactos globais da covid-19.
 
A interlocutores Tereza tem confidenciado estar bastante “desanimada” e “cansada” em receber, mais uma vez, a missão de colocar “panos quentes” na tensão criada com Pequim. “Uma coisa é você, uma vez, ter de ir lá acomodar no embaixador. Outra coisa é ter de fazer isso várias vezes. Fica sem credibilidade, sem argumento”, diz uma fonte próxima à ministra.
 
Considerada como um ponto de equilíbrio e consenso para os diferentes posicionamentos de empresários, associações e parlamentares ligados ao campo, Tereza também teria desaprovado as falas de Eduardo e Weintraub em conversa com outros ministros.
 
Episódios como esse têm alimentado a chance de ela deixar o governo, possibilidade aventada mais de uma vez, segundo interlocutores. No início da semana, a ministra disse que não existem “amigos” no comércio internacional, mas pontuou o peso da parceria com a China, destino de 20% de toda carne brasileira exportada. “Como vamos abrir mão de um mercado que tem 1,3 bilhão de pessoas?”, questionou.