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2020 tem de ser o ano de ação no meio ambiente

Fonte: Valor Econômico (03 de janeiro de 2020)

Inger Andersen: “Nosso fracasso coletivo com relação à mudança climática significa que agora devemos conseguir cortes profundos das emissões” — Foto: Divulgação


A economista dinamarquesa Inger Andersen, 61 anos, pensa em 2020 como “um super ano” para o meio ambiente no mundo. A diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Pnuma (ou Onu Meio Ambiente) tem muita expectativa pelo resultado dos eventos internacionais previstos para os próximos meses. É um sentimento de ansiedade provocado por um quadro desolador, com falta de liderança climática e mais de um milhão de espécies ameaçadas.
 
“Tenho grande expectativa porque agora, mais do que nunca, o estado da natureza e o que seu declínio significa para a humanidade, são evidentes”, diz ela, que assumiu a Onu Meio Ambiente em fevereiro e é também sub-secretária da ONU.
 
A crise climática não pode ser resolvida por nenhum país sozinho, os desafios ambientais não têm fronteiras”.
 
Ela espera que a pauta ambiental extravase os circuitos ecológicos e contamine outros setores da sociedade. “Espero que esses eventos levem a conversa sobre biodiversidade para fora dos corredores do meio ambiente, para empresas, cadeias de suprimentos, ministérios das Finanças, provedores de infraestrutura, de desenvolvimento urbano e muitos outros.”
 
Com mais de 30 anos de experiência em desenvolvimento econômico, sustentabilidade ambiental e na formulação de políticas públicas, Inger Andersen foi diretora-geral da IUCN (International Union for Conservation of Nature fundada em 1948), a mais famosa união de autoridades governamentais e não-governamentais do mundo preocupadas com conservação.
 
O agitado calendário ambiental de 2020 anima a dinamarquesa, que esteve 15 anos no Banco Mundial em várias funções, como vice-presidente de desenvolvimento sustentável e vice-presidente de Oriente Médio e norte da África.
 
Em junho, a IUCN realizará em Marselha seu congresso, que ocorre a cada quatro anos. O evento precede a rodada de negociação da Convenção de Biodiversidade da ONU (CBD) que acontece na China, em outubro, e, espera-se, produza algo similar ao Acordo de Paris para a proteção das espécies.
 
Na área climática, um encontro aguardado é o dos líderes da União Europeia e da China em agosto, em Leipzig, na Alemanha. A reunião do bloco europeu com o maior emissor de gases-estufa do mundo pode dar impulso para maior ambição às metas e animar outros a se comprometerem antes do fim do ano, quando ocorre a CoP de clima de Glasgow, na Escócia.
 
“Muito mais ambição e ação são necessárias e sabemos que isso será difícil e exigirá verdadeira liderança”, diz ela.
 
Durante a CoP 25, em Madri, Inger tuitou e gravou vídeos pedindo maior ambição aos países em suas metas climáticas e que fechassem o artigo 6 das regras do Acordo de Paris, o que trata dos mercados globais de carbono. Como se sabe, isso não aconteceu.
 
Na véspera da conferência, retuitou um artigo do “The Guardian” em que o autor cita os incêndios na Amazônia, Sibéria, Austrália e Califórnia e denomina a fase contemporânea da humanidade como “a era do fogo”. O retuíte da economista era claro: “Em qualquer dia, entre 10 mil e 30 mil incêndios florestais acontecem em algum lugar do planeta. Temos apenas uma única escolha racional: escolher sobreviver”.
 
Não temos escolha. Temos a responsabilidade de deixar um planeta habitável para as gerações futuras.”
 
Em artigo publicado na “Time”, em dezembro, escreveu: “As emissões de gases-estufa precisam cair mais de 7% ao ano. Temos que parar de procrastinar.”
 
Inger Andersen concedeu entrevista ao Valor em dois momentos. Por telefone, quando os incêndios na Amazônia estavam no auge, e por e-mail, na CoP 25, a conferência do clima em Madri, em dezembro. A seguir, trechos dos dois momentos em que ela fala de empresas, ideologias e desafios:
 
Valor: Em 2020 haverá o grande congresso da IUCN na França e também a rodada da Convenção da Biodiversidade na China. O que espera desses momentos?
Inger Andersen: Penso em 2020 como um super ano para o meio ambiente. As metas climáticas do Acordo de Paris entrarão em vigor, precisamos formular a moldura para protegermos a biodiversidade no pós-2020 e teremos discussões multilaterais sobre produtos químicos, resíduos e oceanos. Tenho grande expectativa porque agora, talvez mais do que nunca, o estado da natureza e o que seu declínio significa para a humanidade, são evidentes.
 
Valor: Quando surgiu esta conscientização?
Inger: Muito vem do relatório histórico produzido pela Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas em Serviços de Biodiversidade e Ecossistemas [Ipbes, um painel de pesquisadores mundiais] e divulgado em 2019. Um milhão de espécies de um total de quase oito milhões está ameaçada de extinção. As atuais tendências negativas na biodiversidade e nos ecossistemas devem prejudicar o progresso em 80% das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [as metas conhecidas como ODS que sucederam os Objetivos do Milênio] relacionados à pobreza, fome, saúde, consumo e produção sustentáveis, água, cidades, clima, oceanos e terra.
 
Valor: O que espera da CoP 15, a rodada da convenção da biodiversidade, na China?
Inger: Trata-se de uma reunião crítica. Esperamos que as nações formulem e se comprometam com ações mais fortes para proteger a biodiversidade. O congresso mundial de conservação da IUCN servirá como um trampolim importante para a CoP 15. Esperamos que os governos venham a essas reuniões com planos e estratégias concretos e implementação detalhada e assim possamos interromper a degradação maciça que estamos causando na natureza.
 
Valor: A questão ambiental pode saltar das bolhas ecológicas e atingir outras parcelas da sociedade?
Inger: Sim. Em 2020 também podemos acelerar a década da Restauração de Ecossistemas, da ONU, que vai de 2021 a 2030. O objetivo é conseguirmos ampliar, de forma acentuada, a restauração de ecossistemas degradados. É uma maneira de combater a crise climática ao mesmo tempo em que se melhora a segurança alimentar, o suprimento de água e a proteção da biodiversidade. Espero que esses eventos levem a conversa sobre biodiversidade para fora dos corredores do meio ambiente, para empresas, cadeias de suprimentos, ministérios das Finanças, provedores de infraestrutura, de desenvolvimento urbano e muitos outros.
 
Valor: O relatório “Emissions Gap” do Pnuma de 2019 diz que a ambição climática dos países tem que aumentar pelo menos cinco vezes para que se consiga limitar o aumento da temperatura em 1,5 °C até 2100 e três vezes para 2 °C. A mensagem é clara, mas acredita que os governos a sigam?
Inger: Não podemos nos dar ao luxo de perder mais tempo. Nosso fracasso coletivo em agir cedo e com firmeza com relação à mudança climática significa que agora devemos conseguir cortes profundos nas emissões: mais de 7% ao ano na próxima década. Precisamos que os governos negociem e se envolvam. É fundamental que se aumente a ambição nas metas climáticas nacionais e que se chegue a um acordo sobre questões controversas como o Artigo 6, que trata dos mercados de carbono. Os países não podem esperar até o final de 2020, quando novos compromissos climáticos são esperados, para intensificar suas ações.
 
Valor: Os países estão preparados para aumentar a ambição em mitigação, adaptação e finanças?
Inger: Não temos escolha. Temos a responsabilidade de deixar um planeta habitável para as gerações futuras. Já vemos países dando passos na direção certa como alguns membros do G-20, responsáveis por 78% das emissões globais. A União Europeia registrou um declínio constante nas emissões de 1% ao ano na última década e as políticas atuais colocam a região no caminho para obter reduções de 40% até 2030. A China comprometeu US$ 758 bilhões em capacidade de energias renováveis nos últimos 10 anos. Nos Estados Unidos mais de 100 cidades assumiram 100% de compromissos com energias limpas.
 
Valor: Estão imitando movimentos dos pequenos poluidores, não?
Inger: Sim. A Costa Rica elaborou um plano detalhado para descarbonizar sua economia até 2050. Na cúpula de Ação Climática do secretário-geral da ONU, em setembro, 77 países se comprometeram a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa para emissões líquidas zero até 2050 e 79 países anunciaram que aumentarão seus planos de ação até 2020.
 
Valor: Mas os grandes emissores não estão se movimentando muito.
Inger: Meu trabalho é ser otimista e realista. Claro que os maiores emissores têm que fazer mais, mas todos podem contribuir mais.
 
Valor: Quem está realmente respondendo à emergência climática? O setor privado? A juventude?
Inger: A resposta é generalizada. Estamos vendo os jovens reivindicando claramente um assento à mesa e nos chamando a prestar contas.
 
Valor: E o setor privado?
Inger: Está intensificando seus compromissos e isso ocorre no nível dos CEOs. Mais de 100 empresas líderes se comprometeram com ações concretas que estão de acordo com os objetivos do Acordo de Paris e aceleram a transição da economia cinza para a verde, incluindo donos de mais de US$ 2 trilhões em ativos. Mais de 100 cidades, muitas das maiores do mundo, anunciaram estratégias concretas. Esse progresso não é suficiente para atingir as metas de Paris, mas estamos vendo mais compreensão da situação e maior impulso para a descarbonização.
 
Valor: Governos nacionalistas parecem ver a agenda climática e ambiental como sendo do espectro político da esquerda. Como esse pensamento pode se ser quebrado?
Inger: Convidamos todos os países a permanecerem à mesa, a se envolverem e a negociarem. A emergência climática não pode ser resolvida por nenhum país sozinho, nossos desafios ambientais não têm fronteiras.
 
Valor: Acredita que estas questões sejam ideológicas?
Inger: De modo algum. É a ciência. São fatos e evidências que nos dizem para agirmos. Governos de esquerda, de direita ou de centro fazem compromissos claros. Vimos governos mudando de um espectro político ao outro e mantendo seu compromisso climático. O Reino Unido recentemente declarou emergência climática, isso em um governo conservador. Não há ideologia nestas questões. E há muitos governos, de diferentes correntes políticas e diferentes entendimentos políticos do que pode funcionar melhor, agindo.
 
Valor: Por que é importante preservar a Amazônia? Como viu os incêndios na floresta?
Inger: A Amazônia é a maior floresta tropical do planeta e é incrivelmente importante, junto com outras, como a da Bacia do Congo e da Indonésia. Compreender os fatores que conduzem aos fogos nas florestas é fundamental. Vimos estes focos ao longo de uma estrada, que indica que se trata de atividade humana, de limpeza, o que está sendo amplificado por um mundo em mudança climática. Mas é preciso reconhecer que o Brasil foi um ator ambiental forte por décadas e teve ação pró-ativa também em conseguir um grande decréscimo do desmatamento até 2012.
 
Valor: Um passo atrás: por que a floresta amazônica é importante para o mundo?
Inger: Bem, árvores e florestas fazem fotossíntese. A biomassa absorve carbono durante o seu crescimento e produz oxigênio. Estas grandes florestas, seja na África, Ásia ou na América do Sul, produzem muita umidade e chuva. São importantes para estabelecer os padrões climáticos globais.
 
Valor: Valor: Como vê a alta do desmatamento no Brasil?
Inger: A Amazônia, ao lado de outras grandes florestas no mundo, é uma defesa natural e vital contra o aquecimento global. O gerenciamento sustentável dos recursos florestais será fundamental para salvar o meio ambiente e nosso planeta. O fracasso em deter os danos terá graves impactos na saúde e nos meios de subsistência humanos, dizimando a rica biodiversidade e deixando o mundo mais exposto às crises climáticas e a ainda mais desastres. O Brasil sempre desempenhou um papel importante na governança climática e esperamos que o país continue – e, na verdade, aumente – seus compromissos climáticos.
 
Valor: Por que o secretário-geral da ONU António Guterres expressou sua preocupação com os incêndios na Amazônia?
Inger: A preocupação não era para apontar dedos, mas apenas para dizer o quanto a floresta é crítica para garantir a estabilidade dos padrões globais climáticos, além de ser o lar de 32 milhões de pessoas e de 40 mil espécies de plantas. Quando se vê este grau de fogo, seja na Bacia do Congo ou na Amazônia, expressamos a nossa preocupação também pelo estoque de carbono. Está se emitindo um grande volume de CO2, está-se perdendo diversidade biológica, além de solo e do modo de vida de comunidades que vivem da floresta.
 
Valor: É possível, de verdade, preservar e desenvolver? Conservar e reduzir a pobreza? Descolar o crescimento econômico da pressão sobre os recursos naturais?
Inger: Se cortarmos as florestas, o padrão de chuvas irá mudar, as florestas ficarão mais pobres, as espécies se perderão. É perder sustentabilidade a longo prazo. Houve países que poluíram e cortaram suas florestas em busca de riqueza, isso ocorreu no passado. Mas agora somos tantos que não se pode mais seguir expandindo sobre o que nunca foi tocado. Então, avançar sobre o ambiente original é como cortar os pés do banco onde estamos sentados. Acredito que há muita gente no Brasil, e em outra partes do mudo, com consciência sobre o imperativo de conservar mas também de reduzir a pobreza. Temos que encontrar as oportunidades e não deixar ninguém para trás. Garantir que quem vive na pobreza terá oportunidades de longo prazo. Mas não pode ser um jogo de retorno imediato, de explorar ecossistemas de modo não renovável.
 
Valor: Mesmo se os governos forem para outra direção, as pessoas podem ajudar o clima no mundo com suas opções cotidianas?
Inger: Com certeza. Vemos indivíduos escolhendo estilos de vida mais sustentáveis. Pessoas estão ajudando o clima todos os dias, consumindo menos do que a própria pegada de carbono, fazendo escolhas que causam menos corte de árvores. Há tantas ações que podemos fazer e que são boas para o clima na esfera local e também global. Todos podemos responder a esse chamado urgente para garantir que deixemos um planeta habitável às gerações futuras.
 
Valor: Quais podem ser os danos provocados pelos Estados Unidos ao deixarem o Acordo de Paris?
Inger: Somos mais fortes juntos e o multilateralismo funciona melhor quando todos trabalham juntos. Exortamos todos os países a permanecerem na mesa de negociações sobre mudança climática. No entanto, estamos encorajados pelo fato de muitas cidades, autoridades subnacionais, empresas e pessoas nos Estados Unidos permanecerem comprometidas com ações climáticas ousadas e adotando medidas para descarbonizar a economia. Isso vai desde a aprovação de legislação que promove maior mudança para geração de energias renováveis ao estímulo a veículos elétricos.
 
Valor: Qual o maior desafio ambiental este ano?
Inger: O secretário-geral da ONU tem dito que a mudança do clima é o desafio do nosso tempo. Há países que podem desaparecer como os estados-ilhas, cidades que sofrem inundações, áreas que perdem PIB para a seca. Nos últimos cinco anos tivemos os anos mais quentes da nossa história. Há 1,1 bilhão de pessoas enfrentando riscos climáticos imediatos e 4,5 bilhões de pessoas foram afetadas por desastres na última década. Temos que ter um nível maior de ambição para descarbonizar a nossa economia, para financiar os países que precisam, para inovação e novas oportunidades na geração de energia e transporte e para investir em soluções baseadas na natureza que podem nos ajudar a encontrar respostas para o sequestro e absorção de carbono. Temos que ter mais ambição.
 
Valor: Quais as suas prioridades para a Onu Meio Ambiente?
Inger: Mencionei mudança do clima, biodiversidade e oceanos. Nosso trabalho é prover os governos com dados e informações corretas e a moldura onde suas ações ocorrem para descolar o crescimento econômico da exploração dos recursos naturais, descontaminar, descarbonizar. Cada um destes elementos é fundamental para que os países possam se fazer a transição ecológica e assegurar que tenhamos consumo e produção sustentáveis. Como consumimos, como produzimos, como vivemos, como geramos lixo. Cada um de nós faz escolhas todos os dias, escolhas que afetam o planeta.
 
Valor: Os governos estão conscientes de que podem ser punidos, no futuro por situações como essa, de incêndios na Amazônia? Não apenas por outros governos, mas também pelas escolhas de consumidores e de empresas?
Inger: Acredito que a grande punição virá da mãe-natureza, que irá nos punir se não agirmos. Infelizmente, já há muitos sentindo esta represália mesmo se não fizeram nada. As emissões não foram criadas pelas pequenas ilhas, não foram produzidas pelos países pobres, não foram geradas pelos lugares que mais estão sofrendo. É por isso que é realmente importante que descarbonizemos as nossas economias, para que esta punição não seja ampliada depois.