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Revisão da RN 18/2017, da Antaq e Taxa PTax

Fonte: Portos e Navios (18 de dezembro de 2019)

A proposta de revisão da Resolução Normativa n. 18/2017, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários, que trata dos direitos e deveres dos usuários, do transportador marítimo e do agente intermediário, que se encontra em audiência pública, pretende fazer com que o usuário pague custos financeiros, que devem ser arcados pelo prestador de serviços.
 
O texto atual da norma (art. 27, I) acima visa punir os abusos cometidos por alguns armadores e seus agentes intermediários na cobrança do frete, pois acrescentam de 4% até 12% ao valor do câmbio oficial em moeda estrangeira. Se a Antaq aceitar tal alteração, termos um ambiente de negócios permissivo ao crime de usura, como adiante demonstrado.
 
A RN 18, publicada no final de 2017, até hoje é muito pouco conhecida pelos usuários, embora decorridos dois anos da sua publicação, e se encontra sob revisão a pedido de alguns prestadores de serviços (armadores e agentes intermediários).
 
Ressalte-se que, apesar do Centro de Navegação Transatlântica (Centronave), entidade que representa 800 navios estrangeiros que operam no Brasil, ainda sem outorga de autorização, desequilibrando toda a cadeia de serviços doméstica, especialmente terminais portuários de contêineres não verticalizados (50% da movimentação do país), empresas brasileiras de navegação, agentes intermediários e usuários, ter participado de duas audiências públicas e feito várias contribuições para a mesma, ajuizou ação judicial contra a Antaq na Justiça Federal, em fevereiro de 2018.
 
A medida judicial, que objetivava suspender os efeitos da RN 18 nas operações dos seus navios associados, não teve sucesso. Caso fosse deferida, teríamos dois regimes distintos aplicados no shipping brasileiro: um para os navios brasileiros (EBN´s), que devem se submeter à norma, e o outro para os navios das empresas estrangeiras de navegação (EEN´s).
 
Trata-se de flagrante violação da isonomia concorrencial, agravado pelo problema de poucos navios de EBN´s no longo curso, e de assimetria de informação, com evidências de sonegação fiscal (ISS e IRPJ) e de enriquecimento ilícito, por exemplo, com a cobrança do THC ressarcimento, pelas EEN ou seu agente, permitida pela Antaq, que ainda não desenvolveu um controle sobre tal custo. Nesse sentido, diversas medidas vêm sendo tomadas pelos usuários e municípios portuários para fazer valer os seus direitos.
 
Na audiência pública presencial no último dia 10.12.2019, na Antaq, em Brasília, tive a oportunidade de criticar a proposta abaixo, dentre outros pontos das sugestões de “aperfeiçoamento” da norma, juntamente com o Sr. Sandro Marin, sócio da TekTrade, com mais de vinte e cinco anos de experiência no Comex, e vice-presidente do Sindicato das Empresas de Comércio Exterior do Estado de Santa Catarina (Sinditrade).
 
Essa entidade, com sede em Itajaí, SC, congrega mais de 120 associados, especialmente trading companies, de todo o país, e pretende lutar, juntamente com as três USUPORT´s (Bahia, Rio de Janeiro e Região Sul), para trazer o serviço adequado (previsibilidade, modicidade, pontualidade, continuidade, eficiência, transparência) ao setor marítimo e portuário.
 
Sustentamos que os custos acima devem ser de responsabilidade do prestador de serviços, e alertamos que a Antaq corre o risco de ter a alteração anulada na esfera judicial, na hipótese de permitir tal ilegalidade cometida por empresa estrangeira de navegação que, além de operar sem outorga de autorização, não possui autorização do Banco Central para exigir tal cobrança.
 
Ainda que seja feita a alteração, independente das medidas que serão tomadas, a orientação é, com base na documentação (comprovante da cobrança com a taxa PTAX mais acréscimo) fazer um boletim de ocorrência na delegacia policial mais próxima, pois o ilícito penal é diverso e não se confunde com o ilícito administrativo ou civil.
 
Os dois anos de vigência da norma mostram que o valor da multa da referida RN, conforme seu art. 27, inciso I, de até R$ 100 mil, precisa ser revista, pois não tem sido capaz de inibir os abusos que o normativo visa coibir, porque é muito aquém do necessário para proporcionar efeito dissuasório.
 
Por exemplo, a multa de até R$ 100 mil não inibe o prestador de serviço que ganhe mais de R$ 100 mil com a cobrança da taxa Ptax em determinada operação.
 
Explico: se o frete e outras despesas é de US$ 500 mil e o prestador de serviço usa uma taxa de 10%, ou seja US$ 50 mil (R$ 210.000), obviamente que esse continuará cobrando a taxa de 10%, pois a multa não inibe a cobrança. A sugestão é que a multa deve ser no mínimo o dobro do ganho com a operação. Somente assim a Antaq poderá cumprir o seu papel de punir com eficácia, de forma ex ante, por meio da dissuasão da conduta do mau prestador de serviço, valorizando os bons prestadores e garantindo serviço adequado ao usuário.
 
O texto de alteração encontra-se em aberto para receber contribuições até às 23h59min do dia 02/01/2020, conforme Aviso de audiência pública n. 19/2019. O seu artigo 1º assim dispõe:
 
ANEXO II
Art. 1º A Resolução Normativa nº 18-ANTAQ, publicada em 26 de dezembro de 2017, passa a vigorar com as seguintes alterações:
 
“Art. 5º ………………………….. § 1º É considerada abusiva a conversão do frete expresso em moeda estrangeira para a moeda nacional utilizando taxas de conversão incompatíveis com o mercado de referência. § 2º Para aferição da abusividade mencionada no parágrafo anterior, a ANTAQ utilizará como referência a taxa de conversão de câmbio do Sistema de Informações do Banco Central – SISBACEN, vigente na data do fechamento da fatura, considerando-se também os custos financeiros da transação.” (NR)
 
Diante desse cenário, é preciso que os usuários participem na revisão da norma, pois alguns “jabutis” foram nela colocados, e refutem não somente a inclusão do trecho negritado e sublinhado, mas também façam sugestões para incluir “todas as cobranças em moeda estrangeira”, pois não é somente o frete que é cobrado em moeda estrangeira do usuário.
 
Há várias outras críticas ao texto proposto de revisão da RN 18/2017, da Antaq, que pretende reduzir os avanços da citada norma, que veio muito tarde, pois surgiu 16 anos após a criação da agência. Lembro que esse código de direitos e deveres dos usuários e prestadores de serviços, embora ainda não seja o ideal, é uma das sugestões do nosso relatório de pesquisa de Pós-Doutorado nos EUA, no Center for Business and Government da Kennedy School of Government da Harvard University, em 2007-2008, com recursos do Governo Federal (CAPES).
 
Na ocasião tive a oportunidade de realizar a análise comparativa de 22 elementos determinantes da regulação do transporte marítimo e dos portos, nos EUA e Brasil, respectivamente da FMC e da Antaq. O relatório foi publicado em 2009, com prefácio do Prof. Ashley Brown, da KSG-HU, com o título Direito Regulatório e Inovação nos Transportes e Portos nos Estados Unidos e Brasil, Florianópolis, Conceito Editorial, 409 p.
 
Desde o retorno ao Brasil, há mais de dez anos, temos implementado várias iniciativas para melhorar o ambiente de negócios de comércio exterior através da efetividade do serviço adequado no setor regulado pela Antaq. A RN 18/2017, da Antaq, é resultado de parte dessas medidas, depois de mais de cinco anos de ações, estudos técnicos e denúncias técnicas em várias esferas, inclusive no TCU, no MPF, no Cade e no Poder Judiciário. Parabéns à Antaq, aos seus Diretores Adalberto Tokarski e Mario Povia e ao seu qualificado quadro de servidores, por cooperarem na edição do normativo, especialmente a partir da Agenda Positiva, criada há mais de cinco anos.
 
A Taxa PTAX” na demurrage é prática difundida no mercado brasileiro, ironicamente, como “usos e costumes” (Lex Maritima, que vem sendo banalizada e acolhida indevidamente por parcela da magistratura) e aceita por usuários (importadores) e despachantes aduaneiros desinformados. Aqueles vêm pagando, indevidamente, o valor da demurrage com a incidência desse preço, entre 4% e 12% sobre o valor da dívida: é o custo Antaq.
 
Essa taxa vem inserida nos termos de responsabilidades e compromisso de devolução de contêiner, conforme o texto abaixo, retirado de um termo usado no mercado de shipping brasileiro: “a) A cobrança corresponde à sobre-estadia será emitida em moeda nacional, equivalente em moeda estrangeira utilizando-se a taxa de câmbio do dia PTAX mais 5%.”
 
Não é preciso ser advogado para identificar a evidência de crime contra a economia popular, conforme o art. 4º da Lei n. 1521/1951 (Lei de crimes de usura), com a agravante de ser exigido em época de grave crise na economia do país (Brasil Dilma-Temer), vejamos:
 
Art. 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:
a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro superiores à taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de instituição oficial de crédito; (Vide Lei nº 1.807, de 1953)
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de cinco mil a vinte mil cruzeiros.
§ 2º. São circunstâncias agravantes do crime de usura:
I – ser cometido em época de grave crise econômica;
 
Essa conduta vem sendo considerada mais uma prática abusiva, dentre outras, e cometida há décadas por alguns armadores estrangeiros e agentes intermediários. Tal prática aumenta sobremaneira os custos logísticos dos usuários de transporte marítimo no Brasil, e o abismo que separa a economia do Brasil em relação ao resto do mundo.
 
A regulação econômica via punição ex post, e não ex ante, antes do fato (repressiva), tem sido ineficaz numa indústria de rede transnacional verticalizada e com concentração, principalmente no mercado de contêiner. É preciso buscar o equilíbrio entre os prestadores de serviços, de um lado, que precisam remuneração para suas operações, em valor maior do que os seus custos marginais, e usuários, do outro lado, portanto, não há como retroceder aos pequenos avanços que foram feitos pela RN 18/2017 acima mencionados.
 

Osvaldo Agripino de Castro Junior é advogado (UERJ, 1992) sócio do Agripino & Ferreira