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Empresas dividem responsabilidade pelo aprendizado dos funcionários

Fonte: Valor Econômico (12 de novembro de 2019)

Pesquisador brasileiro Ícaro Leonardo da Silva, 32 — Foto: Divulgação


Estocolmo, Suécia. O pesquisador brasileiro Ícaro Leonardo da Silva, 35 anos, se prepara para mais um dia de trabalho na sede da Ericsson. Ele mora na cidade há nove anos e atua na área de redes de quinta geração, conhecidas como 5G. Engenheiro elétrico pela Universidade Federal do Ceará, acumula um mestrado em telecomunicações e uma especialização na França. O mestrado, em 2010, foi parcialmente bancado pela multinacional, que também ofereceu um estágio no início da sua carreira, já nos laboratórios da capital sueca. Para ele, a responsabilidade de aprender novas competências exigidas pelo mercado de trabalho pode ser dividida meio a meio, entre o empregador e o funcionário.
 
“Depois que entrei na Ericsson, todos os cursos foram patrocinados”, diz. Alguns aconteceram por iniciativa própria, mas sempre com o suporte dos meus gerentes e, em outras ocasiões, o convite partiu deles, detalha. Silva fez ainda vários treinamentos sobre temas que a graduação geralmente não aborda, como negociação e liderança.
 
Ele acredita que a trilha de conhecimento profissional pode ser desenhada pelo próprio executivo, principalmente se ele souber aonde quer chegar. É possível determinar o que será necessário absorver para pavimentar a carreira, de olho também no melhor desempenho da empresa, analisa. “O melhor aprendizado que a Ericsson me proporcionou foi poder trabalhar com os melhores talentos da indústria no mundo, algo como um ‘coaching técnico’”, diz.
 
Relatos similares ao de Ícaro Silva aparecem cada vez mais nas reuniões das diretorias de recursos humanos das empresas. De quem é a obrigação de selecionar os melhores cursos e pagar pelo treinamento das equipes? É dever do funcionário ser proativo e fazer sua parte na qualificação ou as chefias devem tomar a frente para disseminar novas competências? A conta pode ser dividida?
 
Ana Laura Andrade, líder de estratégia de talentos da consultoria Mercer Brasil, afirma que o empregado deve ser mais “dono” dos seus objetivos de aprendizado. “Mas a responsabilidade é coletiva. A organização tem de propiciar novas formas de atuação”, diz. O importante, para o colaborador, é buscar capacitações que o conecte ao seu momento de trabalho, com um propósito à vista.
 
A opinião é partilhada por Wilma Dal Col, diretora da consultoria de gestão de pessoas ManpowerGroup. O funcionário é o protagonista da sua formação, mas as diretorias precisam criar uma cultura de desenvolvimento de talentos, defende. “Devem ser capazes de construir, em períodos mais curtos, equipes ágeis e com múltiplas competências.”
 
Uma pesquisa da ManpowerGroup indica que é cada vez maior o número de empresas que estão se tornando “formadoras de talentos”, porque não podem mais esperar para contratar um currículo “pronto” para um cargo. Entre 19,4 mil empregadores entrevistados em 44 países, 84% deles esperam melhorar a qualificação da força de trabalho, até 2020. No Brasil, 92% das organizações ouvidas estão no mesmo caminho, ante 64% do total em 2018.
 
Wilma estima que as chefias que dão suporte para cursos de graduação, pós-graduação ou de extensão das equipes geralmente arcam com 40% a 65% do valor total do investimento. “O tamanho do patrocínio depende de estratégias internas e da necessidade da companhia.
 
Na IBM, o apoio financeiro pode cobrir até 75% da despesa com cursos e pós-graduações, diz a diretora de RH, Christiane Berlinck. “A política de desenvolvimento é para que cada profissional cumpra, ao menos, 40 horas de aprendizado ao ano.”
 
Além de iniciativas de pós-graduação, todos os colaboradores têm acesso a “trilhas” internas de aprendizagem, MBAs com turmas exclusivas da companhia em instituições de ensino, formação de líderes e parcerias com universidades estrangeiras, como Cornell e Harvard.
 
Somente em 2019, há mais de 920 mil opções catalogadas, incluindo programas de e-learning. Neste ano, de janeiro a setembro, foram registradas mais de 780 mil horas de treinamento, e a estimativa é fechar em 11% o tempo de participação em ações educativas entre 2018 e 2019. Do total de cursos, 25% foram direcionados a líderes. “É nossa a responsabilidade de oferecer oportunidades para que o colaborador possa aplicar novos conhecimentos no trabalho”, diz Christiane.
 
Na opinião da diretora, o impacto positivo dessa prática chega a galope. Profissionais que atuam em setores como atendimento ao cliente e fizeram certificações para suas funções apresentam, em média, um alcance 35% maior nas metas de negócios. E tudo indica que a necessidade de instrução vai continuar em alta.
 
Um relatório divulgado pela própria IBM, em setembro, mostra que sete milhões de brasileiros precisarão passar por um processo de recapacitação profissional nos próximos três anos. Essa necessidade é resultado do avanço da utilização de novas tecnologias no mercado de trabalho, como a inteligência artificial. O estudo, feito com 5,6 mil CEOs de 48 países, aponta que apenas 41% deles afirmam ter as pessoas necessárias para executar estratégias já definidas e cerca de 50% não possuem nenhum plano de desenvolvimento de habilidades para reverter esse cenário.
 
Já o tempo investido para capacitar um funcionário em uma nova tarefa aumentou dez vezes em quatro anos. Em 2014, no Brasil, o prazo era de quatro dias, informa a pesquisa. No ano passado, subiu para 40. “Cada profissional deve conversar com as lideranças sobre seus objetivos de desenvolvimento”, diz Christiane.
 
Foi o que fez Felipe Prado, 44 anos, que atua como “evangelizador” da IBM no mercado de segurança e gerente de sucesso do cliente (CSM, na sigla em inglês de client success manager). Contratado há quatro anos, ele faz, no mínimo, um curso ao mês e virou adepto de ferramentas de e-learning.
 
“Vivo conectado”, diz. “As chefias dão as oportunidades de reciclagem, mas cabe a nós correr atrás de melhoria e saltos na carreira.” Atualmente, além de uma certificação para a posição de CSM, ele cumpre treinamento sobre um software de proteção de dados. “Procuro fazer cursos para saber melhor a capacidade que um produto tem de agregar mais valor aos clientes”, afirma.
 
Investir em desenvolvimento de lideranças por meio de plataformas on-line pode manter a qualificação em dia e obter um ganho real de tempo na instrução dos times, como afirma Irene Azevedo, diretora de transição de carreira e gestão da mudança da consultoria LHH.
 
Na BD, grupo de tecnologia médica com 1,6 mil funcionários no Brasil, o gerente de atendimento ao cliente (customer care), Matheus Mamprim, 29 anos, resolveu arregaçar as mangas para se especializar em nichos não cobertos pela academia. Há pouco mais de três anos na empresa e graduado em engenharia de produção, ele concluiu uma extensão em liderança comercial custeada pelo RH. Também ganhou treinamentos externos sobre melhoria de processos e design thinking. O salto de conhecimento o ajudou a fazer uma transição de cargo em abril, quando saiu da supervisão para uma gerência de área.
 
São os desafios do dia a dia que vão nos mostrar quais as competências que precisamos buscar, diz Mamprim. “O funcionário deve conhecer as opções de ensino disponíveis na companhia e alinhá-las a interesses da profissão.”
 
Stella Fornazari, diretora de RH da BD Brasil, acredita que o investimento em pessoas é um combustível poderoso para o sucesso das empresas. Nos últimos 13 anos, mais de mil funcionários foram beneficiados com cursos. Apenas no último ano, 800 colaboradores receberam treinamentos formais na organização, que concedeu ainda mais de cem bolsas parciais para o ensino médio, graduação, pós-graduação e MBAs, além de 40 bônus para escolas de idiomas. Somente em 2019, R$ 250 mil foram investidos em 80 profissionais, seis a mais do que em 2017, com quase 100% deles em posições abaixo da gerência. A contribuição garante até 60% do custo das iniciativas.
 
Um dos focos da BD é agregar conteúdos “fora da curva” da preparação tradicional, como novas ferramentas de gestão no supply chain e diplomas em Green Belt (métodos gerenciais). “É preciso pensar em programas que dão um maior poder de adaptação às demandas do mercado.”
 
Na fintech SumUp Brasil, com mais de 700 funcionários, uma das diretrizes para estimular o fluxo de conhecimento surfa no conceito de movimento de carreiras baseado em missões, da expressão em inglês “mission-based careers”. “Avaliamos os colaboradores que estão desempenhando bem e os desafios que temos para realizar os objetivos da empresa”, explica Olga Arroyo, líder de desenvolvimento de pessoas. Se há talentos prontos para novos voos, eles são convidados a fazer uma mudança de trajeto, diz.
 
A troca de cadeiras já incluiu um analista de pagamentos, que passou a ser especialista em dados, e uma estagiária de vendas, que evoluiu para analista sênior de risco, em um período de dois anos e meio. Alguns funcionários foram enviados para aulas na Alemanha e Inglaterra, a fim de estudar temas como criatividade no desenvolvimento de produtos e metodologias ágeis.
 
Há vantagens para todos nessa dinâmica, afirma Olga. Para a empresa, é uma forma de nunca perder o foco do negócio e, na conta do profissional, o ganho é duplo. “Ele passa a ter mais segurança de que o seu trabalho realmente importa para a organização e ainda cultiva novas habilidades, dentro de casa.”
 
* Essa matéria faz parte do 17º Valor Carreira, anuário que premia as empresas com as melhores práticas de gestão de pessoas